Viva o Futebol

Durante muito tempo vi(vi) o futebol apenas numa das suas vertentes, concentrava toda a minha atenção no mundo dos grandes palcos, no futebol sénior e nas grandes estrelas desde Zidane, Figo, Rui Costa passando por Van Basten, Cruyff, Maradona, Ronaldo e todos os restantes magos que mereciam a minha dedicação. Felizmente a vida dá muitas voltas e assim quase por acaso entrei no mundo do futebol de formação, já lá tinha andado, como jogador claro, mas aí raramente temos a percepção do que nos rodeia e há muita coisa que nos passa ao lado.

No entanto com a oportunidade que tive veio uma experiência que mudou por completo a minha forma de ver este nosso desporto, por isso mesmo é com agrado que todos os fins-de-semana ando de campo em campo, de clube em clube a ver pequenos homenzinhos tornarem-se jogadores com o seu brinquedo preferido a correr à sua frente.

Depois da quadra natalícia fui ver um torneio de pré-escolas em Gondomar, evento organizado pela equipa local e onde os emblemas do Gondomar SC, FC Porto, SL Benfica, Boavista FC, SC Freamunde e SC Arcozelo marcaram presença. Mais do que um torneio muito competitivo ou disputado foi um dia de (bom) futebol, de convívio, de dedicação e acima de tudo de alegria. Comigo levei dois amigos, doentes por bola, paixão que nos une e que move longas discussões pela noite dentro, no início resmungaram, argumentaram que não iam lá fazer nada, afinal miúdos daquela idade ainda pouco ou nada sabiam sobre o desporto rei, ri-me e entrei no carro com a certeza que depois daquela tarde as suas opiniões iriam mudar.

O tempo ajudou-me e na chegada ao Estádio S. Miguel deparamo-nos com um bom número de espectadores, de fazer mesmo inveja a muitas assistências que compõem os estádios desolados por este país fora, depois de alguns pequenos jogos começou a partida da tarde. Um derby que deixou todos de olhos pregados no pequeno relvado que servia de palco a um FC Porto vs SL Benfica. De um lado pequenos «dragõezinhos» com ar travesso e cheios de vontade, do outro «papoilas saltitantes» que faziam jus ao nome, com pinta de craques e motivados por uma forte assistência.

O jogo de cinco contra cinco foi, como eu já esperava, muito emotivo, com falhas naturais em tão tenra idade mas com a beleza do futebol no seu estado mais puro, tanto de um lado como de outro, diamantes no seu estado bruto, prontos a serem lapidados jogavam um futebol de constante vertente ofensiva, um número espantoso de remates e pormenores deliciosos de jogadores a quem a bola chega quase ao joelho espantavam a bancada e é no meio de tudo isto que vejo algo que me deixou profundamente feliz, os meus dois amigos, cépticos quanto ao que viam, estavam, pouco a pouco, a apaixonar-se por aquele espectáculo. Conquistados pela beleza inocente daqueles talentos as expressões de espanto foram surgindo, o elogio passou a ser uma constante e eu ganhei o meu dia.

Como se tudo isto não bastasse, o destino tratou de eternizar aquela tarde, o resultado (talvez o menos importante no meio de tudo isto) estava num 3-2 a favor do FC Porto, quando após recuperar a bola um dos pequeninos de vermelho picou o esférico para o centro do terreno, a bola sobrevoou quase em slow motion o meio campo, aí o número três encarnado olhou-a enquanto esta pairava no ar, num relance mirou a baliza adversária e conta o mito que terá até esboçado um sorriso malandro, de repente salta e faz parar todos em sua volta, numa bicicleta majestosa remata de meio campo, a bola bate na trave e entra no ângulo superior direito da baliza do FC Porto, a multidão parou abismada, depois do espanto veio a comemoração, penso que ninguém ficou indiferente aquele momento, mais do que à cor ou ao emblema da camisola comemorava-se ao futebol, o jogo terminou empatado mas para todos que viram aquele golo a tarde soube a vitória.

Na viagem para casa a conversa era outra, os que há poucas horas eram desconfiados tornaram-se adeptos, os pedidos de novos jogos intensificam-se e pelos menos eu tenho a certeza que o futebol formação tem dois novos seguidores. É esta a sua magia, é esta a sua beleza, é tudo isto que o torna especial. Para aqueles que continuam indiferentes a este fenómeno deixo o conselho, quando tiverem tempo livre procurem por esses campos fora as pérolas de amanhã, por experiência própria posso dizer que não se vão desiludir.

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