S.L.Benfica, Na auto-estrada do purgatório

Já diz o povo que “criança não mente”. E com muita razão, valha a verdade. Há cerca de quinze anos atrás, em sintonia com o aparecimento da televisão privada, começou também uma nova fase na vida do nosso futebol, nomeadamente ao nível da transmissão mais frequente de jogos internacionais. Como a comunicação tudo influencia, as crianças cresceram com os dribles de Romário, a geometria de Laudrup ou a irreverência de Lentini. E foi também nos anos 90, coincidência ou não, que o futebol português começou a perder um grande fulgor nas competições europeias. E as crianças não mentem…

“Então e de que clube és?” perguntava-se.

“Sou do F.C.Porto e do Real Madrid. “

Sou do Benfica e do Barcelona. “

Sou do Sporting e do Manchester”, assim respondiam.

Já sem o saudoso Jorge Perestrello entre nós, o fenómeno elevou-se à categoria de hábito. Todos os dias, quer gostemos ou não de futebol, podemos ver notícias frequentes sobre os clubes internacionais, hoje com jogadores portugueses nas suas fileiras com uma grande regularidade. Mudaram-se os tempos, mas a sinceridade das crianças continua a mesma, até porque há determinados aspectos que a comunicação não consegue mudar:

“Então e de que clube és?”

“Sou do F.C.Porto e do Manchester. “

“Sou do F.C.Porto e do Barcelona”

“Sou do F.C.Porto e do Chelsea”, dizem agora.

Hão-de reparar que há um número cada vez mais crescente de crianças adeptas dos portistas. Acreditem que eu faço este exercício muitas vezes e a minha pequena amostra tem-me levado a chegar a algumas reflexões. E os miúdos continuam com os seus ensinamentos:

“E porque é que és do F.C.Porto?”

“Porque o Porto ganha.”

Porque o Porto ganha. Quatro palavras apenas mas um manto enorme de conclusões que a partir deste pequeno conjunto podem ser tiradas. O F.C.Porto é o grande clube das últimas duas décadas em Portugal. Jupp Heynckes, quando treinou as águias, também assim o admitiu. É o clube português mais representativo da actualidade e não vale a pena enterrarmos a cabeça na areia e vermos miragens, termos ilusões. Os dragões possuem uma dinâmica de vitórias considerável e, acima de tudo, são vencedores com uma grande regularidade. Mesmo menos bem conseguem estar sempre nos lugares da frente. “Até nos momentos de crise o dólar é uma moeda forte”, assim o descreveu António Oliveira, um dos obreiros do tricampeonato.

E os meninos são do F.C.Porto porque não querem ser gozados na escola. Porque querem ser vencedores, querem ser primeiros. Com os resultados conseguidos, o F.C.Porto resolve também um problema de futuro, a renovação geracional. As suas conquistas recentes garantem uma nova fornada de adeptos, uma massa crítica e apaixonada para os tempos vindouros.

Caminho contrário está a fazer o S.L.Benfica. Com efeito, e se constatarmos os dados, verificamos que há uma correspondência entre a perda de poder das nossas equipas na Europa e a ausência de resultados do clube da Luz. Perde o Benfica, perde a competitividade do nosso campeonato, perdemos pontos no ranking da Europa, saímos todos derrotados.

Não vou me aqui debruçar sobre as causas que tiraram o protagonismo ao Benfica, até porque não faltam teorias sobre esse tema. Contudo, quero lembrar um passado bem recente em Inglaterra, quando um galvanizado Chelsea de José Mourinho conseguiu roubar a hegemonia do Manchester United. Foi sol de pouca dura e, duas épocas volvidas, Carlos Queiróz apareceu numa conferência de imprensa a explicar a recuperação dos “red devils”.

“Reconhecemos o trabalho e a superioridade do Chelsea e, como tal, fomos estudar a equipa ao pormenor. Analisamos modelos de jogo, copiamos pequenos pormenores que fizeram a diferença, e hoje estamos mais fortes”, afirmou “CQ” numa altura em que o Manchester United se preparava para interromper a caminhada do “tri” dos “blues”.

Foi um ponto de reviravolta e também uma lição que o Benfica bem pode adaptar à sua realidade. Chelsea e F.C.Porto são realidades distintas, é certo, mas a forma como ambas as equipas se afirmaram nas respectivas ligas dá que pensar. Carlos Queiróz, como tantas vezes o fez no passado, conseguiu descobrir a solução. É por estes motivos, num pequeno parêntesis, que eu entendo que a nossa selecção vai conseguir dar a volta à situação.

O S.L.Benfica atravessa, a meu ver, um ponto crítico da sua história. Os escassos troféus não se coadunam com o seu palmarés histórico e, deste modo, a renovação geracional não consegue ser realizada. Tal como impérios ou civilizações, a manutenção desta situação pode desaguar na perda de grandeza, até porque nada é eterno. Seja quais forem os argumentos mais ou menos racionais, o que é facto é que a realidade não mente e um Benfica sem ganhar não estranha. Pior do que perder é perder e considerarmos isso normal. É este o caminho que o Benfica está a percorrer. Lembremo-nos, a nível europeu, do que aconteceu a Saint Etienne ou a Everton, potências do passado reduzidas à condição de equipas de média dimensão nos dias de hoje.

É claro que o domínio portista origina comentários de vária índole. Os mais extremistas alegam que a era “Pinto da Costa” foi responsável pelo controle dos árbitros e dos resultados. Não quero estar aqui a fazer juízos de valor, apenas ser pragmático em relação a este assunto: até para se ser corrupto é preciso saber, ter inteligência e perspicácia. Não é qualquer pessoa que consegue ser corrupta sem ser punida. E mais, para tudo existe sempre um antídoto. O argumento, portanto, está ultrapassado.

A atravessar um momento de indefinição, resta ao Benfica pensar qual a solução mais rápida e eficaz para tornear a situação a seu favor. Porque o purgatório começa a ser um corredor demasiado apertado, as respostas são necessárias. Olho para o Benfica de futuro e vem-me a cabeça um nome: Ruben Amorim. Jogador calmo, discreto, de enorme qualidade e cultura táctica considerável em prol dos interesses da equipa. É com este tipo de jogadores que o S.L.Benfica deve construir o seu futuro e uma equipa tipo completamente enquadrada com os seus pergaminhos. Sem preconceitos, reconhecer a superioridade do F.C.Porto nos últimos anos e, pegando no seu modelo, tentar copiar os pontos mais positivos e determinantes. Incutir nos mais jovens uma cultura de conquista, deixando os jogadores florescer e alimentar o plantel sénior. A mim, parece-me este o caminho adequado até porque tenho a certeza que Portugal precisa, e muito, de um Benfica forte!


Assinado
Gil Nunes

1 comentários:

Rui Lança disse...

Bom artigo. A questão que coloco é que cada vez mais entendo estes fenómenos como fruto de algo que acontece e que ao acontec proporciona e/ou condiciona outros fenómenos.

O problema do Benfica, não se resume, mas muito dele surge da falta de liderança. Muito ruído, muitos chefes, muita intriga, má comunicação interna, má formação pessoal, falta de bom senso, etc.

O que se verifica, é que neste tipo de ambientes como é o Futebol, cheio de pessoas mal formadas e numa organização desorganizada como é Portugal e a Liga, é que impera estruturas muito simples. Porto, liderança centralizada, em que um jogador sénior que chega a menos de 30' do treino encontra o seu balneário fechado e é obrigado a ir pedir a chave a um membro da SAD ou ao Treinador. Em que aí é logo confrontado com o porquê do seu atraso. Isto são pequenos exemplos de como casos como o Veiga que blindou o balneário e a estrutura, e agora com Rui Costa que lidera e aumenta a qualidade do departamento, as coisas tendem a alterar-se.

Uma coisa tenho a certeza. Não faz bem a ninguém que um clube tenha tanta gente como adepta se não ganhar. O dinheiro não trás hábitos.

http://coachdocoach.blogspot.com/