"Crónicas de um treinador": Treinadores de Playstation

Há pouco tempo assisti a um seminário sobre futebol de formação com John Drabwell como orador, quase nínguem deve saber de quem se trata, eu mesmo não sabia, mas é um técnico inglês, há muitos anos ligado à FA, com grande experiência na área do treino, scouting e vocacionado essencialmente para o futebol jovem, tendo já treinado nomes como David Beckham, Frank Lampard e Wayne Rooney. É sempre interessante conhecer novas experiências, perceber certas realidades, mas sinceramente na globalidade da sua apresentação pouco de novo aprendi, no entanto o inglês realçou por diversas vezes algo crucial no treino de escalões mais jovens, um ponto que eu, mesmo com a pouca experiência que tenho, acho ser importantíssimo no desenvolvimento de qualquer jogador.

Falo do espaço e tempo dado ao crescimento da criatividade, imprevisibilidade e acima de tudo capacidade/tomada de decisão dos atletas mais jovens. Infelizmente poucos estão atentos a estes pormenores, ainda nesta paragem dos campeonatos acompanhei um torneio onde passei dois dias em completo desespero, acho impensável a quantidade daquilo que eu chamo “Treinadores de Playstation”, muito mais quando muitos deles são pessoas formadas em Educação Física e ligadas de uma forma mais científica a este desporto.

Mesmo em clubes de alguma dimensão no panorama da formação em Portugal vemos “misters” que passam todo o jogo a tentar decidir pelos seus jogadores, constantes “feedbacks” como “passa”, “acelera”, “finta”, “cruza”, “remata”,”fecha”, “abre” destroem por completo a capacidade intelectual dos jogadores. O resultado disto são jogadores mecânicos, que não conseguem ler e interpretar o jogo, que se o padrão natural das coisas se altera ficam completamente perdidos em campo e são guiados por um treinador ainda mais perdido e que vê o jogo de comando na mão, tentando controlar cada movimento da sua equipa. Penso que este problema deriva em grande parte da ambição desmedida pela vitória, que temos no nosso país, dando por isso mesmo pouco espaço ao desenvolvimento dessas capacidades nos jogadores mais jovens.

É preciso perceber que não chega dotarmos os jogadores de capacidades táctico-técnicas, estes para as conseguirem utilizar em campo necessitam de perceber o jogo, saber ler e interpretar os momentos e ter a capacidade de antever o que vai acontecer, para isso não podem actuar mecanicamente, têm de ser dinâmicos do ponto de vista mental, terem capacidade e à vontade para pensar o jogo, de forma rápida, eficaz e tentar tomar a melhor decisão. Acima de tudo, em treino (e aqui está presente também a competição, porque esta é também um momento de aprendizagem), temos de dar espaço e promover um ambiente adequado ao desenvolvimento desta tomada de decisão de um ponto de vista correcto. Com o treino e constante repetição conseguimos treinar o subconsciente dos jogadores a pensar o jogo, consoante o nosso modelo de jogo, consoante os nossos princípios mas de acordo com a leitura que estes fizerem da partida.

Espero que este pequeno alerta vos faça pensar melhor a vossa actuação quer em treino, quer em jogo, muitas vezes o melhor no momento não será o melhor para o futuro e nunca nos devemos esquecer que a palavra formar quer dizer 1.criar; 2.educar; 3.fazer parte da composição de algo. Somos parte de um todo e devemos dar o melhor para que no final esse todo seja melhor.

8 comentários:

Rui Lança disse...

Gostei muito do post, muito fácil de ler e aliciante.

Cumps!

Melcan disse...

Concordo com o Rui. Adorei este teu post, ficou deliciado com a maneira de como tu escreves!

Parabéns

Dário Pinto disse...

Obrigado a ambos, o mais importante acho que é ainda assim a mensagem.


Continuem a acompanhar, abraço para ambos.

Dennis Bergkamp disse...

Boas Dário!

Mais uma vez, excelente post!

Acho que há varias razões para a existência deste tipo de treinadores, sendo que, para mim, as principais são a falta de experiência, e a falta de formação dos mesmos.

Lembro-me que nos meus primeiros tempos como treinador, a principal dificuldade, mesmo em treino, era conseguir-me centrar num só aspecto a corrigir.

Encontrava tantas coisas que os miudos necessitavam de aprender, que muitas vezes acabava por transmitir tanta informação para aquela malta que... muito pouco deveria entrar.

O conhecimento que fui ganhando, aliado a experiência ajudou-me nesse aspecto, mais facilmente destacava um erro a ser corrigido, uma aprendizagem a ser feita e .. dirigia-me expecialmente para esse ponto.

Os feedbacks do treinador durante os jogos devem também ser nesse sentido. Claros, e precisos.

Outro factor, que leva a existência de treinadores de playstation ( ou de wii, bastante interessante mas que dá cabo de um gajo, se estiver com uma condição fisíca aquém do esperado :P )

É aquela "ingenuidade" de pensar que assim, está a ajudar os seus jogadores a terem sucesso.

"eles não conseguem descobrir as soluções sozinhos, estou a dar-lhes uma ajuda.. afinal, é para isso que ali estou"

Mas, será que está a ajudar mesmo ? Desde pequenino que oiço que em vez de se dar o peixe, se deve ensinar a pescar.

Aqui, as coisas devem funcionar da mesma maneira. Devemos ajudar os miudos a recolher a informação importante, e a decidirem em conformidade.

O grande problema neste processo todo, é que tudo isto leva tempo. Exige prática, repetição, contextos diferentes, paciência, atenção ao erro, bom feedback, bons exercícios, exigências adequadas as capacidades, blablablabla.

E.. há tempo? Seja em clubes grandes ou pequenos.. temos tempo para trabalhar, para deixar os miudos crescer, evoluir e aprender?

Posts como este, dão para conversas intermináveis. Partindo das tuas palavras, dá para divagar para tantos assuntos diferentes, e igualmente importantes.

Estarei atento aos teus posts, e tentarei comentar mais vezes. Sei bem que dá "outra pica" para escrever, quando a malta participa =)

Abraço!

Dário Pinto disse...

Grande Bruno,

Obrigado por comentares (dá sempre outro ânimo, é verdade) e ainda bem que gostaste.

A questão dos treinadores, e da sua má formação que depois se reflecte nos comportamentos e pouco desenvolvimento dos jogadores dava para horas de conversa, tens razão. Este é apenas mais um ponto, infelizmente.

É verdade que a formação em Portugal ainda tem de mudar muito, é preciso tempo, paciência, qualidade, mas há pormenores (como o que falo no texto) que podem ser melhorados facilmente, só é preciso pensar um pouco.

Tu tens aí em baixo a experiência de como se deve comunicar, felizmente nalguns clubes a atenção a isso já está a ser feito e acredito numa melhor formação no futuro.


Grande abraço!

Anónimo disse...

dario, disseste no torneio do fim de semana passado que alguns treinadores la presentes te iam levar a fazer um post acerca deste tema.
dei cá um saltinho para confimar se o tinhas feito e aproveito para dar os parabens pelo mesmo.
mais que dar os parabens pelo post a minha intençao é sobretudo desejar-te um feliz aniversario embora ja ligeiramente atrasados.

abraço, speed

Dário Pinto disse...

És grande Speed,

Alguns bem mereciam, mas de pouco adianta. Obrigado por passares por aqui, comentares e claro pelos parabéns!


Forte abraço!

Pedro Silvares disse...

Boa tarde, sou do blog Negócios do Futebol (por sinal, o vosso blog tem um layout igual ao nosso) e gostaria de o convidar a escrever no nosso blog, ou pelo menos estabelecer uma parceria que permitisse que pudéssemos publicar textos da sua autoria.

Se estiver interessado, contacte-nos para negociosdofutebol@gmail.com