Futebol de Formação vs Futebol de Rendimento (A Crise da formação em Portugal)

Segundo Papaioannou (1995), “A adopção de um ambiente muito orientado para aprendizagem e pouco orientado para o rendimento é o mais adequado para crianças e jovens, tendo em vista a maximização da motivação e da realização de todas as suas capacidades.”

Domingo de manhã saio de casa para ir ver futebol com dois amigos, em questão, a final do torneio internacional Dr. Macedo Vieira na Póvoa de Varzim, entre as selecções sub-14 do Porto e de Lisboa.

As equipas entram em campo e há logo algo que salta à vista de todos, a estrutura física dos atletas de ambas as selecções. De um lado a selecção da AF Porto, atletas altos e corpulentos, muitos já com grande desenvolvimento muscular. Do outro lado, os miúdos de Lisboa, menos físicos, a maioria claramente mais baixos que os do Porto.

É certo que no futebol o que conta é a qualidade dos atletas, mas também não é menos verdade que até certa idade, a estrutura física faz toda a diferença. Ainda num jogo de infantis no passado fim-de-semana entre duas equipas com grande diferença física, alguém dizia no inicio do jogo:

“Olha a altura daqueles, isto vão ser para aí 6, o que custa é o primeiro!”

Mas e então os pequeninos não têm direito a serem felizes? Só por serem pequeninos já perderam o jogo? NÃO… prova disso, resultado final desse jogo de infantis, pequenos -1 Grandes -0!

Voltando à “nossa” final, este era claramente o pensamento de muitos que ali estavam, a equipa do Porto iria ganhar com alguma relativa facilidade, mais uma vez, enganaram-se aqueles que pensam que o futebol se faz de centímetros e de músculo.

O jogo foi muito equilibrado, na primeira parte uma selecção do Porto mais ofensiva, com mais força, com mais músculo mas sem a qualidade técnica de Lisboa, o Porto tinha mais bola mas tratava-a pior que Lisboa mas ainda assim faz o golo, na sequência de um canto, apesar das falhas defensivas, aí está o factor altura a decidir, golo de cabeça ao primeiro poste.

Chega o intervalo e a selecção do Porto ganha 1-0, e Lisboa parecia não conseguir furar a defensiva do porto, ao intervalo duas substituições na selecção de Lisboa e mais dois pequeninos a entrar, Filipe Nascimento e Rui Caniço.

Recomeça o jogo e Lisboa cedo pega nele de forma a procurar a igualdade, agora sim, a qualidade técnica começa a vir ao de cima, os dois atletas que entraram juntam-se a Marcos Lopes e a Paulo Fernandes, a selecção de Lisboa aproxima-se da baliza contrária.

Grande jogada na esquerda, Marcos ultrapassa tudo e todos, centra, o guarda-redes falha e Caniço nem precisa de saltar para fazer o golo com uma cabeçada certeira.

1-1 e a selecção do Porto é agora aquela que parece incapaz de virar os acontecimentos, o seu adversário está forte, faz uma circulação de bola segura, mantendo a posse com grande qualidade e individualmente é muito superior. O segundo golo de Lisboa está eminente, no entanto num contra ataque rápido a selecção do Porto ganha um canto e na transformação do mesmo, GOLO, grande golo, diga-se em abono da verdade, Luís Alves (Rafa) faz golo de canto directo, contra a corrente do jogo a selecção do Porto volta a colocar-se me vantagem.

Os miúdos de Lisboa não desistem, vão de novo procurar o empate e de novo o conseguem, cruzamento para a área, falha do Guarda-redes do Porto, remate de Nascimento e Rui Caniço desvia para golo.

Até final mais 2 arrancadas de Marcos e Nascimento, com este último a ser travado em falta mesmo em cima da linha da área e quase a ganhar penálti, Guzzo na marcação do livre falha o mesmo e o jogo acaba.

Nos penalties a Selecção do Porto ganhou e levantou a taça, no entanto, para mim, ganhou a selecção de Lisboa, com muito talento e qualidade mostrou ter equipa de futuro e jogadores para apostar, quanto ao porto, há alguns talentos certos, mas temo que grande parte da equipa que jogou esta final não tenha espaço para se afirmar e se eclipsem até ao 2º ano de juvenil, quando os centímetros não fizerem mais diferença e depois nessa altura procurar-se-á novas torres, novos físicos, no entanto, daí para a frente, o futebol já pede qualidade enquanto altura e força já não fazem diferença… ou estarei errado?

Domingo de tarde, saio de casa e vou ver um jogo da Liga Vitalis, Feirense vs Beira-Mar, derby regional com muita emoção… mas pouca qualidade.

O Feirense vence 2-0 e na viagem para casa penso nos dois jogos que observei nesse dia e penso como vai mal o futebol português.

O Feirense está na 3ª posição da Liga Vitalis, tem 20 pontos conquistados e já chegou mesmo a vencer o líder Olhanense por 3-1 e mais uma vez salta-me à vista o tal futebol rendimento, que aqui, num campeonato profissional, já tem que ser levado à séria, mas ainda assim, pergunto-me, não haverá outra forma de ser competitivo? A formação existe para quê?

Senão vejamos:

Como disse o Feirense é 3º, está bem e pode começar a ser considerado um candidato, mas é forte a equipa do Feirense? Colectivamente ou individualmente? Na minha opinião nem uma nem outra, é uma equipa “desenhada” para o resultado, o tal futebol rendimento levado ao extremo numa equipa profissional e a aposta na formação? 0!

A equipa do Feirense tem 28 jogadores, 14 portugueses, 12 brasileiros, 1 senegalês e 1 Guineense.

Dos 14 portugueses, apenas 5 foram formados na casa, dos 5 Serginho e Galhano são os mais utilizados, sendo que, os restantes 3 nunca os vi na convocatória da Liga Vitalis. Os 2 utilizados têm mais de 23 anos e dos 5 apenas 2 têm menos de 21 anos.

Dos muitos jogos observados do Feirense, uma única conclusão, equipa de destruição e de futebol directo que procura nos lances de bola parada ganhar os jogos aproveitando a tal equipa desenhada para o rendimento, que no onze base apenas tem 3 jogadores com menos de 1,80 e tem em Mamadi, Luciano, Leandro Perez, Tales, Moisés e Jorge Leitão, a estrutura do êxito, jogadores altos, limitados tecnicamente mas eficazes no jogo directo e aéreo. Sou obrigado a destacar o Vitinha como o principal elemento a jogar futebol na equipa da Feira. E destes todos apenas Jorge Leitão é português e não foi formado no clube, mas sim no modesto SC Coimbrões!

Não posso contudo, criticar o treinador Francisco Chaló, provavelmente ele está a fazer aquilo que lhe pediram, ser competitivo e se possível atacar a subida, sou obrigado sim, a criticar a direcção.

Tendo o Feirense um complexo desportivo de luxo, equipas de formação de grande valor, a disputar todos os campeonatos nacionais de juniores e com rendimentos interessantes, pergunto-me eu… Investir em jovens, formá-los e dar-lhes óptimas condições, Para quê? Para quando tiverem 18 anos pedirmos desculpas, mas terão que ser dispensados porque há 1 brasileiro de qualidade dúbia que vai ocupar o lugar dele e vai custar 3, 4 ou 5 vezes mais do que aquele jovem da casa custaria? É triste, mas a verdade é que o Feirense é 3º, tem 20 pontos, está a 3 do líder e na Feira vivem-se momentos felizes e se subirem, o treinador e o Presidente são heróis, bem como os 12 brasileiros, o guineense e o senegalês, e ninguém se irá lembrar dos 10, 15 ou 20 juniores dispensados e perdidos, muitos deles, para sempre!

O caso Feirense, lembra-me o caso de outro clube, mais mediático, o Boavista. Durante anos e anos o Boavista viveu da sua excelente formação, investia muito mas também ganhava muito, no entanto, com a abertura das fronteiras, deixou de apostar tanto e foi começando a importar, brasileiros em maioria, pois claro, curiosamente foi começando também a diminuir a qualidade e acaba por cair em desgraça, apesar de todas as trafulhices que possa ter existido ou não no clube, na minha opinião, a principal responsabilidade do estado financeiro do Boavista, é o (des)investimento na formação. Compare-se a equipa campeã de 2000/2001 com um plantel de 25 jogadores em que 17 eram portugueses contra a equipa da época passada, a última na principal competição portuguesa, o Boavista tinha um plantel de 35 (sim, não viu mal, TRINTA E CINCO) atletas, dos quais 25 eram estrangeiros. O Boavista campeão tinha nomes como Petit, Rui Bento, Jorge Silva, Martelinho, Pedro Emanuel, Moreira, Ricardo, Jorge Couto, Emanuel, Pedro Santos, Sérgio Carvalho, ou seja, muitos jogadores da casa e alguns que foram formados nos 3 grandes mas que devido às vendas de atletas da sua formação, o Boavista pode ir buscar outros jovens para investir. Desses 17 portugueses campeões, o Boavista ainda pode fazer fortunas com Petit, Ricardo, Pedro Emanuel e outros que foram saindo, o Boavista do ano passado tinha quem?

Hoje em dia, e depois de anos a lutar por títulos nacionais e conseguindo mesmo vários, a formação do Boavista está pobre como o futebol profissional, as equipas são vulgares e passam despercebidas nas respectivas classificações. Isto origina que os miúdos com talento, fujam facilmente para outros clubes grandes deixando o Boavista cada vez mais fraco e abandonado. E tudo se deve à falta de investimento no futebol profissional, essa sim, foi para mim, a principal crise do Boavista.


Futebol Rendimento vs Futebol Formação: Claramente Futebol Formação, é que o futebol rendimento origina no tal desinvestimento sério e rigoroso na formação e depois obviamente temos o futebol português invadido de Brasileiros e outros estrangeiros ficando os nossos jovens perdidos nas divisões inferiores… ah… e queixamo-nos que a selecção não tem isto ou aquilo, lembrando-me dos pontas de lança e dos defesas esquerdos… pois realmente não tem…

INVISTA-SE NOS JOVENS, PORTUGUESES, SFF!!!


Assinado
José Carlos Magalhães

4 comentários:

Anónimo disse...

era bom era que investissem nos futebolistas portugueses,mas infelizmente não é o que acontece e basta ver a formação portuguesa onde quase todos os clubes grandes ou médios já estão carregados de jogadores estrangeiros!!!uma vergonha que a fpf não quer ver ou então não interessa ver!
o meu filho a jogar num dos grandes está em via de ser dispensado porque um brasileiro tem de ser inscrito para o lugar dele!! e é só o melhor do plantel no lugar dele!!é injusto

Anónimo disse...

Um caso de aposta na formação é o SC Freamunde: na equipa sénior tem Rui Ribeiro, Artur, Luis Pedro, Brandão, Barbosa, Filipe Pastel e Valdinho, todos eles produto da escola do clube. Nos ultimos anos sairam Antunes e André Leão, para além de outros nomes. Uma grande escola sem duvida alguma.

Anónimo disse...

Este tema(futebol formação) devia ser aprofundado mais vezes:
- Não será necessário mudar mentalidades de Directores desportivos, presidentes e respectivos socios dos clubes para que o mais importante não é o resultado final da partida ou do campeonato a curto prazo, mas toda a componente de valorização e desenvolvimento dos seus atletas para mais tarde tirarem partido dessa aposta.
Vai ser necessário não haver dinheiro nos clubes para contratações para isto ir avante ?
Gostaria de ver um post seu publicado sobre esta temática.

fred disse...

tenho 17 anos e jogo futebol federado num clube pequeno. o ano passado quando jogava nos juvenis tive a oportunidade e a felicidade de poder defrontar o benfica e curiosamente os jogadores mencionados no teu artigo. guzzo, caniço e felipe nascimento. devo-te dizer que os 3 estao muito bem encaminhados.na minha opiniao o guzzo e um daqueles medios centros á barcelona e foi o jogador que mais gostei de ver, no entanto o caniço é muito perigoso na area e o felipe nacimento é simplesmente o capitao da seleçao nacional no seu escalao.
um abraço e excelente
(pode ser antigo mas é intemporal)