Mais que um clube

Diz o Barcelona, usando aliás como seu próprio slogan, que “é mais que um clube”. A cidade condal está intrinsecamente ligada ao desempenho da sua equipa mais representativa, numa espécie de micro-comunidade em que o núcleo canaliza energia para a sua periferia.

Mas não é só o Barça. Basta puxarmos a cassete um pouco atrás e lembrarmo-nos dos cachecóis na janela durante a caminhada do Euro 2004 para reflectirmos sobre o fenómeno do futebol não apenas jogado nas quatro linhas mas também na sua esfera global. Em tempos de crise, de desespero, um golo pode resolver muitos problemas, nem que seja apenas por uns instantes. É a utopia do momento, uma receita milagrosa que coloca o cérebro a remar contra a maré. Quase que por magia!

São instituições desportivas, é certo, mas se as debulharmos vamos apenas encontrar colectividades que, fruto do seu sucesso, conseguiram fazer perpetuar e expandir a sua marca. Se fizermos uma ligeira introspecção, e arriscando um pouco no discurso, verificamos que os grandes clubes podem ir de encontro ao conceito de colectividade. À nossa porta, num beco pouco iluminado, quem não nos garante que a associação recreativa onde tomamos café não se pode tornar, dentro de muitos anos, num clube de dimensão planetária? Seríamos parte integrante da história, tal como aqueles que nos primórdios de formação dos chamados “três grandes” são hoje heróis invisíveis. Ousaram, sonharam...e a obra nasceu!

Na maior parte das vezes, o nome do clube está indissociavelmente ligado ao da cidade, ultrapassando-o em muitos dos casos. Alguém relaciona Dortmund com a sua produção maciça de cerveja ou, pelo contrário, se lembra do seu “Borussia”? Mais perto, será que alguém, de relance, saberia localizar Touriz se não existisse o Tourizense? E Campo Maior? Ou o Hoffenheim, cidade que hoje está mas bocas do mundo?

Por muito que alguns queiram contrariar, a verdade não pode ser empaleada. O desporto, e no caso europeu o futebol, é um fundamental veículo de promoção de locais e regiões, mais do que não seja na simples parcela do seu nome.

Clube cultural

Com a ligação entre cidade e clube bem estabelecida, a questão do desempenho adquire uma pertinência extrema. Falamos do resultado, é certo, mas também nos referimos à criação de uma imagem de marca. E é aqui que entra o fair-play e o cumprimento das normas de conduta. Se não podemos ser sempre os primeiros, pelo menos oferecemos à comunidade uma imagem de integridade e de perseverança, de atitude, honestidade, respeito e harmonia.

È claro que conjugar desempenho desportivo e fair-play seria o ideal mas, no meu ponto de vista, poderia entrar em linha de conta um terceiro factor. Naturalmente que nem todos podem ser craques da bola, nem muito menos estar na “onda” desportiva. Mas será que este grupo não pode estar no raio de acção do clube?

Na minha perspectiva, se Maomé não vai à montanha, a montanha pode ir ter à Maomé. Tal como no desporto, muitos auguram um futuro risonho a um jovem escritor, a um promissor músico ou a um rebelde pintor. A bem ver, são na mesma produtos de uma cantera social que se espera poder frutificar de forma suculenta, em prol de todos. Não seria uma boa ideia associarmos esses jovens de outras áreas aos próprios clubes?

É claro que para esta medida tomar efectividade não será necessário criar uma academia. Imagine-se, porém, os benefícios recíprocos que podem advir deste terceiro vector: ao jovem maior incentivo para a continuidade do seu trabalho e ao clube uma potenciação da sua imagem corporativa, apostando no presente e a longo-prazo.

Julgo que a criação do “clube cultural” pode ser um tremendo elo de ligação entre a instituição e a própria cidade, alargando-se o seu raio de acção à comunidade. Apostando, patrocinando e incentivando, o clube ganha cartas e uma imagem positiva no meio onde se movimenta. E, ao fim ao cabo, torna-se “mais que um clube”!


Assinado
Gil Nunes

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