Futebol sem medidas

Quando o Homem desafia a sua própria natureza coisas inimagináveis podem acontecer, heróis terrenos são aqueles que mesmo limitados pelas limitações constantes que vida nos reserva ultrapassam todos os limites e quebram a barreira do impensável. No futebol o mesmo se aplica, todo aquele que se contentar com o que tem por natureza nunca pode ambicionar o Olimpo deste nosso desporto, alguns no entanto sonham mais alto, para além da linha dada como limite, pegam nela, dobram e redobram até construírem o avião que os leva para lá do previsível.

No futebol actual dois jogadores simbolizam esta classe paranormal, curiosamente neste momento estão no topo do mundo futebolístico, não é coincidência, falo claro está de Zlatan Ibrahimovic e Lionel Messi, a girafa e a pulga que deixam o nosso futebol de pernas para o ar.

O primeiro é talvez o melhor e mais completo avançado da actualidade, “Ibrashow” é uma das poucas razões que nos levam a ver futebol italiano, mas acreditem que vale a pena. Ter acompanhado a sua formação terá sido um luxo invulgar, compreender como um gigante, que apenas precisaria do seu tamanho para se impor, trabalha e treina anos a fio, nunca abdicando da sua técnica fabulosa, é algo fenomenal. O seu nome revela as raízes e virtuosismo eslavo, é descendente de bósnios e croatas, no entanto cresceu no frio sueco e foi moldado na melhor escola mundial, o Ajax, daí partiu para Itália, um monstro preso no pragmatismo do Calcio, e que esta época, nas mãos de um português também muito especial, tem destronado tudo e todos, desafiando o impensável, transpondo leis da física enquanto marca golos de todos os lados e de todas as formas, é o mundo imprevisível de Zlatan, um futebol inesteticamente belo, repleto de pormenores fantásticos, golos, toques e passes de deixar qualquer um preso à ao seu sofá.

Chamam-lhe um Romário de 1,92m, mas “Ibracadabra” é mais do que isso, acredito que no futuro quando se falar do seu nome não se contará o número de golos mas a forma inacreditável como muitos deles entraram. A juntar aos pormenores desta época, com golo de calcanhar a passe de Adriano, com o toque de bailarina no meio campo, com o tiro de fora da área ao Werder Bremem, com a bomba de livre à Fiorentina e o recente chapeú ao Reggina, lembro-me do incrível golo ao serviço do Ajax, da bomba marcada ao Benfica quando estava na Juventus e do golo inacreditável que marcou à Itália no Euro 2004, quando no meio da confusão, indiferente a tudo o resto inventou uma obra de arte, que sobrevoou toda a defesa transalpina e morreu nas redes de Buffon. Há quem o compare a Van Basten, o holandês voador, pela forma como se movimenta, respirando classe e sobrevoando o relvado, é um jogador diferente contudo, é um arranha-ceús de técnica e cultura táctica pronto a deixar qualquer jogo virado ao avesso.


Messi é o sorriso malandro, é a picardia do futebol de rua, é insolente até a andar, Di Stefano quando questionado sobre a sua entrada no futebol profissional disse que tinha sido fácil, “Jogávamos porque gostávamos e, como o fazíamos tão bem, acabaram por nos pagar para o fazer”, na rua ou no estádio o futebol de Messi é sempre igual, pega na bola arranca, provoca os defesas e parte para cima deles, um pé esquerdo indomável, capaz de pormenores incríveis, aliado a uma velocidade e imaginação paranormais. Lembro-me de um Chelsea Barcelona jogado em Londres, num relvado totalmente enlameado, a pulga não se importou com isso, fez das suas e sorriu como sempre sorri, numa jogada deixou o seu marcador directo louco, driblou Del Horno, arrancou pela direita, perdeu mas logo depois ganhou a bola a Robben, fez um túnel ao holandês e só parou com um bloqueio desesperado de Del Horno que assim assinou a sua expulsão, depois de tudo isto, do aparato e confusão o argentino levantou-se, sorriu maldosamente e continuou com a sua magia.

Tal como Ibrahimovic, Messi tem capacidades físicas incomuns, ao contrário do gigante sueco, o pibe argentino é pequeno e frágil, mas são nos frascos mais pequenos que se escondem os melhores perfumes, e o perfume do futebol de Messi é único, as comparações a Maradona são lógicas, até nos golos, quer driblando tudo e todos quer com a “mão de Deus” se parece com o seu ídolo, é sem dúvida alguma o seu tão aclamado sucessor, mas parece poder ir ainda mais longe que o pelusa, já que pelo menos tem o exemplo do que não deve fazer. “Se sou Maradoniano um dia serei Messinista”.

O seu corpo quase o impediu de chegar tão longe, no entanto tal como Zlatan, Messi superou-se, enfrentou todos os problemas, cedo abandonou o seu país, as suas raízes e partiu para Espanha, no berço catalão cresceu, aprendeu e foi trabalhado para ser a máquina de futebol desconcertante que é hoje, felizmente deram-lhe a liberdade que deixa o seu génio sorrir e assim Messi continua com o seu fabuloso pé esquerdo, elegante mas insolente.


Zlatan e Messi são muito diferentes, na origem, no percurso, no tamanho mas muito iguais, na irreverência, na imaginação, na capacidade de se reinventarem e assim virarem e revirarem o jogo vezes sem conta, não há palavras que descrevam os dois génios, felizmente para a eternidade ficarão os golos e jogadas geniais que não deixam ninguém indiferente.

1 comentários:

The Champ™ disse...

bom e descritivo.