Vencer versus Formar

Hoje falo do meu tema mais querido, o futebol de formação.
E falo de um escalão do qual sou particularmente fan, o escalão de Escolas.

Sou fan por inúmeras razões. A época passada tive a oportunidade de treinar esse escalão. A vontade e alegria dos miúdos é contagiante, a inocência e a pureza das suas almas surpreendente.
Estamos a falar de atletas com 8,9,10 anos, meninos que acalentam o sonho de virem a ter o mesmo sucesso que os seus ídolos, meninos que se divertem a correr atrás da “redondinha”.
No balneário não há malícia.
Num grupo conduzido para formar e não para resultados, todos jogam, quem fica de fora apoia quem está lá dentro, os pais babam-se a ver os filhos jogar.
O Futebol que se vê é puro, é uma verdadeira festa.
Confesso-vos que a minha experiência foi fantástica.
Criamos um Grupo unido, disciplinado, solidário, com espírito de superação. Os atletas, tal como nós treinadores, foram aprendendo, evoluindo. A cada erro cometido soubemos levantar a cabeça e fazer desses mesmos erros um tónico para sermos cada vez mais fortes.

Mas não é sobre mim e a minha experiência que vos falo.
Serve o presente texto para divagar um pouco por aquilo que vou assistindo, por conclusões que vou tirando.
Recentemente marquei presença num jogo de escolas em Gaia. Jogavam os dois primeiros, um derby Gaiense.
Pela classificação, pelos pontos conquistados, pelos golos marcados, pensei que iria assistir a um bom espectáculo. Enganei-me...

De um lado a equipa da casa.
Jogadores possantes, bem constituídos, alguns a apresentarem claros sinais de maturação precoce. Logo aí suspeitei que poderia ficar desiludido com o que minutos depois iria ver.
Destacados na tabela, a equipa da casa baseia o seu Futebol em força e vontade.
A organização colectiva é básica. Aos atletas foi-lhes indicada uma posição a ocupar e com o treino os mesmos interiorizaram de forma relativa os “caminhos” que devem percorrer.
Princípios de jogo enraízados não existem. Ganha a posse de bola, os jogadores têm como missão (culpa de quem os dirige) bater, bater o mais forte possível para ganhar metros e se aproximarem da baliza. Não lhes foi incutida mínima preocupação em procurar sair a jogar, em manter a bola no chão e de forma inteligente e minimamente organizada procurarem transportar o jogo para o seu ataque.
Os atletas revelam vontade e confiança. Actuando da forma que lhes foi instruída procuram interpretar aquilo que lhes vem sendo ensinado.
Nas bancadas sente-se o entusiasmo pelo facto da equipa ser 1º. Os pais regojizam-se por ver os filhos ganharem todos os jogos. Não lhes interessa como nem porqué, o que conta são as vitórias.

A equipa forasteira começa a ter alguma tradição no escalão de escolas.
Sem nenhum padrão físico que me permita adjectivar a equipa, destaco a velocidade e a raça que relevam dentro de campo.
O treinador é o mesmo da época passada, o mesmo que os levou ao título da série e á disputa da fase final. No Clube é visto como um treinador de sucesso. Dizem os adeptos do Clube que é um treinador com grande qualidade, que FORMA grandes jogadores.
O próprio Clube demonstra alguma vaidade nos feitos recentes. Apresentam um corpo técnico composto por diversas pessoas, o treinador chega mesmo a ver a 1ª parte do jogo fora do banco. Tudo parece pensado, cuidado.

Puro engano. Afinal o grande corpo técnico nem um massagista tem. O atleta que cai e fica no chão é quanto muito assistido pelo coordenador desse mesmo Clube. Uma lata de spray, uma garrafa de água e joga...
Da equipa fica a imagem que têm alguns princípios trabalhados. Ficaram-me registadas algumas movimentações ofensivas padrão ou seja, nem tudo foi ao acaso.
Mas olhando de forma mais crítica e mais cuidada percebe-se que é uma equipa trabalhada para vencer. A preocupação é o agora e não o amanha. Aos jogadores pede-se raça, muita vontade, mas todo o trabalho técnico, todo o trabalho que serviria de base para alguns destes atletas sonharem chegar ao topo da pirâmide parece não existir.
Por outro lado a pedagogia é pouca. O tipo de linguagem que por vezes escapa da boca do treinador é assustadora, a forma dura como fala não é adequada a atletas de tão tenra idade. O fair-play na derrota também deixa transparecer alguma falsidade. Um aperto de mão, um parabéns, mas tudo muito forçado, muito para o “protocolo”.


No fundo parece falta de bom senso criticar o trabalho de duas equipas que estão no topo da tabela da sua competição.
Na Associação de Futebol do Porto continua-se a cometer o crime de apostarem no fut11 nos escalões de Iniciação. As causas nós percebemos. Seria necessária boa organização, um maior investimento de tempo e em condições estruturais.
No fundo seria necessário um profissionalismo de quem dirige os campeonatos do Distrito que infelizmente não existe.
Mas os erros não se ficam apenas por esta questão do fut7 versus fut11, poderia falar da falta de policiamente nos campos que criam um sentimento de insegurança a árbitros, atletas e adeptos enorme, poderia falar da cada vez maior ausência de arbitros, poderia dizer que a 2º maior Associação do País é das poucas que não contém uma base de dados online acessível a todos, etc.
Enfim...outro tema que mais tarde irei aprofundar…

Voltemos ao tema original.
As vitórias que tanto impressionam dirigentes e encarregados de educação podem ser afinal enganadoras. O trabalho de base que os jovens atletas deveriam fazer ao nível motor, técnico é menosprezado. Toda a pedagogia e o incutimento de valores é desvalorizado centrando-se toda a formação psicológica apenas e só nisto: vencer, vencer, vencer!

No fundo todas as vitórias não se expressarão de forma vincada no futuro dos atletas. Quando chegarem á especialização apresentarão lacunas de base, não revelarão preocupação em interpretar no relvado um futebol organizado, disciplinado, coerente.
Aqueles treinadores que centraram apenas e só a sua preocupação em vencer a qualquer custo não terão contribuído de forma decisiva para criar melhores atletas e melhores seres humanos. Serão personagens efémeras na vida daquelas crianças que um dia sonharam em chegar ao topo mas que em alguns casos viram o seu talento desaproveitado por treinadores mal preparados ou que se centram nas suas próprias ambições.

Mas desenganem-se os treinadores que acham que terão sucesso porque conseguiram ganhar mais do que os outros no futebol de iniciação.
Hoje em dia ao nível dos melhores Clubes a exigência é diferente. Não se procuram apenas e só os vencedores, procuram-se os treinadores que revelem uma preparação e uma mentalidade que se enquadre com aquilo que é o formar, o potenciar talento.
Aqueles que não revelarem essas condições continuarão a ser vistos como “milagreiros” nas suas freguesias mas não passarão disso mesmo.

Acabo tocando um outro aspecto, extrapolando um pouco o exemplo com que comecei a explanar esta temática.

Qualquer Pai quer o melhor para os seus filhos. A melhor Escola, os melhores educadores, professores.
Mas se na Escola somos exigentes com os professores porque não ser exigentes com os outros educadores que podem ter um papel decisivo ou pelo menos importante na formação dos nossos filhos?
Os treinadores mais do que ensinarem Futebol, são vistos pelos atletas como exemplos. Existe uma pré-disposição dos atletas em idades precoces para imitarem os seus treinadores, para adoptarem as suas posturas. Por outro lado muitos são os pais que depositam nos treinadores a responsabilidade de desenvolverem fisicamente os seus filhos.
Não deveriam os pais ser mais exigentes? Um treinador mal preparado e sem grandes princípios poderá colocar em cheque a formação de um jovem enquanto indivíduo e poderá colocar a sua integridade física em perigo.
Será que os cursos de nível I das Associações dotam minimamente os treinadores de capacidades e saberes suficientes para desempenharem um papel tão preponderante na vida dos mais novos? Julgo que a resposta é evidente...
Não tenho dúvidas que no futuro (e no presente) a resposta para estas problematicas passará pelo investimento em indivíduos formados academicamente na área.
Indivíduos esses com outro tipo de preparação e saber para lidarem com as especificidades da formação de crianças. Indivíduos que na sua maioria revelam outra capacidade pedagógica, indivíduos esses que se centram mais no formar e não no rendimento.


Assinado
Nelson Oliveira

2 comentários:

Rafael Antunes disse...

Boa noie!

Quero dar os parabéns pelo espaço, já o "acompanhava" no blog antigo.

Como formador de jovens em ambiente desportivo, e não apenas treinador, gostei bastante de ler este post. Revi-me em descrições que foram feitas, umas pela positiva e outras pela negaiva, sinal que ainda há coisas a melhorar.

Partilho dos pontos de vista quanto à metodologia de treino de jovens, mas principalmente quanto à formação adequada para ser formador/treinador.
O panorama nacional tem muito a melhorar, mas não acredito que seja possível enquanto tivermos cursos de treinadores, para quem quer pagar.

Quanto ao tema "Vencer VS Formar", não considero que haja uma relação de adversidade. É verdade que podemos vencer e não estar a formar "grande coisa". Também acredito que não precisamos de vencer para estar no "caminho certo" (e eu vivo muito neste ponto).
Mas tudo se torna mais leve, quer a passagem de conceitos como a aquisição dos mesmos pelos meninos/jogadores, quando conseguimos aliar as duas faces desta moeda. Vencer e Formar, Vencer a Formar e Formar para um dia mais tarde Vencer.

Cumprimentos
Rafael Antunes

Anónimo disse...

Deveria existir um ranking sobre clubes de formação e de escolas de futebol pelo menos na afporto, fica o desafio....ou reportagens no seu blog sobre esta tematica. ( onde na sua opinião se trabalha com competencia sem ser porto ou boavista).

Pai de um atleta